segunda-feira, 19 de novembro de 2012

"Uma partilha diferente..."

Há sensações, sentimentos, que apetecia mesmo nunca ter vivido; há ocasiões e factos, realidades e momentos que não são fáceis de "digerir", de "aceitar" de ânimo leve...
Permitam que partilhe convosco algo que hoje experienciei e que até hoje me era, de todo, desconhecido: um "sentimento" que nem sei mesmo definir...
Há uns dias atrás falava de um "Luís", com rosto, com história, com quem a minha vida se tinha cruzado no final de uma tarde de Domingo... Aquele coração magoado, despedaçado até, com um olhar triste mas ao mesmo tempo espelhando esperança e vontade de mudança... Foi apenas uma hora de encontro, de conversa, de partilha...
Sei esperar, este sábado recebo um telefonema e eis que do outro lado da linha estava o Luís! Recluso, em fim de pena (que leva já vários anos) eis que quis, simplesmente, falar com o Pe. António e se "desse jeito" e "tivesse vontade talvez pudéssemos beber um café"!!!
Sim, claro que na azáfama própria de um sábado numa Paróquia, encontraria tempo para um "café"; e fomos até jantar juntos, e continuar aquela conversa que naquele Domingo havia ficado inacabada...
E tornámos a encontramos ontem ao fim de um Domingo esgotante; senti e pressenti que o Luís - a quem havia concedido três dias de precária - (saída pontual) já estava a pensar que no dia seguinte (hoje, portanto, teria de regressar à sua pequena e isolada cela de prisão com tudo o que isso significa!
Fui buscá-lo a casa e ficámos a conversar, a partilhar, ou melhor fiquei a escutar tanta partilha, tantas histórias, do seu viver em locais tremendos e medonhos como são as prisões!!!
Ouvi histórias inimagináveis, quase inenarráveis! A ponto de me perguntar como seria isso possível?!!! Como seria possível tanta realidade horripilante num local que deveria ser de reinserção social, de ajuda a olhar o futuro com outros horizontes e critérios?!!!
E no meu silêncio e interior tentava imaginar o impossível de imaginar: como seria possível viver assim?!!! Como passaria ali o tempo, como se ocuparia a cabeça, a alma, o coração, num ambiente onde predomina a desconfiança, o tráfico, a insegurança, o medo, a revolta e a raiva?!!!
Era já bem tarde quando a nossa conversa terminou. E eis senão quando ele me pergunta, me pede, se o poderia levar à prisão no dia seguinte!
Fiquei aterrado! Não de medo, óbvio, mas de espanto pois que não queria imaginar qual seria o seu rosto, o seu sentir, quando tivesse de entrar naqueles insuportáveis portões, quando tivesse de cruzar aquelas monstruosas cancelas!
Disse que sim. E adormeci a rezar pedindo a Deus que o ajudasse. A ele e a tantos outros que vivem essa mesma realidade. A rezar por esses corações que um dia se extraviaram dos caminhos a trilhar mas que têm direito a recomeçar, direito a sonhar, direito a sorrir, como qualquer um de nós...
Hoje, após o almoço fui buscá-lo a casa. Sabia que ia fazer uma viagem "pequena" mas enorme.
Aquele Luís sorridente, conversador, sonhador, entusiasta, aparecia de rosto enviesado, parco nas palavras, onde o sorriso se havia desvanecido por absoluto durante as horas anteriores!
Sabíamos bem o que ia no coração de cada um; e sentíamos que tínhamos de nos proteger um ao outro, porque ambos estávamos a sofrer diante daquela separação que estaria eminente em poucos minutos.
Ambos a "fazer-nos" de fortes, de corajosos, como se levar um amigo para o deixar às portas da prisão fosse algo de normal, de natural!
Sairá, se Deus quiser, definitivamente, dia 23 de Fevereiro; ali, naquele degredo, naquela solidão rodeado por mais de 800 homens, naqueles silêncios intermináveis, passará mais três meses. Três infindáveis meses... Ali passará entre quatro paredes o Natal; ali fechado e isolado daqueles poucos que o amam, celebrará o seu aniversário natalício a 30 de Dezembro... Ali permanecerá, para além daqueles altos muros, separado de mim, separado de nós... à sua sorte!!!
Prometi-lhe que nessa manhã de sábado, 23 de Fevereiro de 2013, de manhã bem cedo estaria naqueles mesmos portões para ser o primeiro a recebê-lo e a abraçá-lo. E como sonho já esse abraço...
Correm-me lágrimas de saudades; lágrimas de impotência pois que nada mais posso ou sei fazer...
Lágrimas de saber e sentir algo que jamais havia sentido: deixar um amigo, um irmão, na prisão!!!
E regressei; da estrada olhei a sua cela - ao chegarmos ele disse que via a estrada e os carros que passavam - e desejei estar lá para o receber. Gostava de ser "mágico" para poder entrar antes dele naquela cela húmida, fria e vazia, para quando ele chegasse poder ser recebido por um abraço mais que por aquele silêncio e solidão certamente desesperantes.
Da estrada olhei a sua cela... e imaginei e imagino ali o Luís, à espera que o tempo passe depressa...
Diz-se agnóstico e por isso pedia mil vezes desculpa. (Tonto! Como se precisasse de pedir desculpa)! Quem dera acreditasse em Deus; sentiria mais força, mais coragem, sentiria que o tempo voaria mais depressa...
Um agnóstico fantástico, um agnóstico que nos prende o coração, um agnóstico que tem um enorme coração...
Um agnóstico que quando sai três dias de "precária" quer passar horas a fio com um Padre! Um agnóstico que sabe e sente que o amor lhe fala do que vale mais e do que ele (e todos nós) mais precisa...
Quem dera fosse amanhã aquele sábado ainda tão longínquo para mim...

9 comentários:

  1. Fantástica a capacidade de um ser humano,perante o outro. Um simples gesto carregado de tudo com uma humildade pura, faz magia, é simples como a vida mas enche corações,e acolhe quem mais precisa. Por vezes é tão simples, basta estar lá, a ouvir para encher um coração de uma felicidade inatingível pelos egocêntricos e egoístas. um pequeno gesto que é enorme, quem disse que são os grandes gestos que mudam a humanidade? como se diz,as pessoas não se medem aos palmos, e os gestos também não. um bem haja pe.antonio.. obrigado por tudo.

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    1. Quero responder a todo este partilhar fantástico ,carregado de sentimentos de emoção,sem palavras ,mas quero-te responder a ti em primeiro Bruno,que feliz eu sou por teres um coração assim puro.DEUS ama-nos tanto e dá-nos tanta coisa boa que nem sabemos agradecer.Mais tarde irei partilhar um pouco de todo o meu sentir

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  2. Uma partilha diferente, uma partilha que nos mostra um caminho de amor ao proximo. Obigada Pe. Antonio!

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  3. Prior, não consigo comentar. Não tenho palavras.

    Só as lágrimas me correm pela face.

    Ofereço a minha oração contínua e sentida pelo Luís, por todos os Luíses e por si.

    Bem haja pela sua partilha. Que Deus o abençôe.

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    1. Pequeno, bonito, lindo, com todo o conteúdo que precisamos de ouvir.
      Obrigada pelas suas palavras. Também faço minhas as suas palavras, porque são palavras de coração.
      R.A.

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  4. É muito difícil pegar num teclado frio e material e ter palavras para falar de um ser humano, ao qual a vida foi muito adversa,por norma nós muitas vezes ao longo da vida vivemos muito perto,mas muito longe de toda uma realidade que existe ,onde não à vontade de se fazer nada pela recuperação de alguém, mas sim para nos elevarmos e pensarmos que eles estão assim porque querem,não é verdade,nós nascemos do mesmo modo,mas a o criar,o amar,as oportunidades de vida distanciam-se muito ,quando existe a sorte de alguém estender a mão e dar uma palavra,um incentivo,tudo pode mudar na vida dessa pessoa,mas o mundo está muito egoísta com tudo o contém para atordoar e deixar de pensar nos outros.
    Mas Deus está a estender-lhe a mão(no Evangelho de ontem que eu veja Senhor)pelo Pe. António e de certeza vai encontrar o seu caminho na verdade e no amor,terá a minha oração.
    Reitero todo o comentário da Rosalina.Bem haja.

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  5. Gostei muito.
    Comovi-me. Tão bonita esta forma de colocar em palavras este Deus de Amor que lhe corre nas veias.
    Obrigada

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  6. Um dia escutei a história de um Cristo mutilado, num crucifixo meio destruído, que dizia que cada um de nós pode ser os Seus pés, as Suas mãos, os Seus ouvidos, a Sua boca... para ir ao encontro daquele que precisa ser amado, e amá-lo, escutá-lo, dar-lhe em palavras e gestos, amor, esperança, Fé...

    Esta experiência, Padre, vivifica aquela história!...
    Graças a Deus pelo coração despojado e generoso que te deu, e nos presenteou a todos a 7.7.199...!... ;-)
    Obrigada por partilhares.

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  7. Um homem que não acredita em Deus, mas que quer estar perto daquele que segue os caminhos de Cristo....
    Um homem que está perdido, mas que sente que há uma mão estendida para o ajudar.
    Como seria mais fácil ser um padre diferente: celebrando, sentado na cadeira do seu gabinete, à espera de...alguém para confessar...sei lá, tanta coisa, que ajudaria muito pouco o seu percurso.
    Ao contrário disso, temos um padre que nos mostra com garra, caminhos que nós próprios temos medo de ´pisar´, por vezes temos medo de aceitar. Pode ser o ´Luís´, o ´Joaquim´...e há muitos que esperam ansiosamente por alguém que lhes mostre que as grades da prisão não são eternas, nem podem existir grades nos seus corações.
    Sou sincera: hoje, muito cedo, estive a ler este pensamento e não consegui conter as lágrimas. Elas rolavam , não de tristeza, mas por ver como é que há padres, padres mesmo, que sabem estender a mão, sem medos, sem perguntas, querendo sómente levar Cristo aos outros, fazer o mesmo que Jesus fêz.
    Já houve um grande milagre consigo na adolescencia, o maior de todos. Tenho a certeza que este é o maior milagre que Deus poderia ter feito por Carcavelos. Quando Cristo o seduziu...não foi por acaso. Ele sabia com aquilo que podia contar, e o futuro padre que tinha à Sua frente.
    Rezamos pelo ´Luís´, rezamos por tantos que não crêem, mas procuram Deus, mais do que muitos que batem com a mão no peito.
    Rezo por si Padre António, porque precisa muito que a força do Espírito Santo cresça cada vez mais dentro de si, e para que nós consigamos continuar a deliciarmo-nos com as excelentes homilias que nos ´oferece´...com a Exposição do Santíssimo que foi linda...com as histórias da vida real que nos fazem abanar e pensar que a vida só vai ser verdadeira quando nós dermos com garra as mãos quando rezamos o Pai Nosso.
    R.A.

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